ÉDIPO O TEBANO

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

HOMENS NASCIDOS DA TERRA

O fundador da antiga cidade de Tebas foi Cadmo, que era filho de Agenor, rei de
Tiro, situada na Fenícia. A irmã de Cadmo, Europa, havia desaparecido sem deixar
vestígio. Dizia-se que um touro branco a raptara quando ela brincava com as amigas na
beira do rio. Agenor não acreditou e mandou o filho procurá-la, ameaçando-o de exílio se
não a encontrasse.

Cadmo saiu então estrada afora com seus fiéis companheiros. Correu mundo,
interrogando os habitantes dos diferentes lugares.

Em vão: ninguém pôde ajudá-lo.

Perdendo a esperança de ter êxito, temeu a cólera paterna. Por isso, resolveu não
voltar para casa, mesmo se tivesse que viver para sempre no exílio. Mas aonde ir
agora, onde encontrar refúgio?

Foi fazer a pergunta ao deus de Delfos:

"Ao sair do santuário", disse-lhe Apolo, "você verá uma vaca. Siga o caminho
pelo qual ela o guiar. Na campina em que a vaca se detiver, funde uma cidade e lhe dê o
nome de Tebas."

Cadmo agradeceu ao deus e seguiu suas instruções... e seguiu a vaca. Atravessou um
rio, prados de relva tenra, até que, certa manhã, a vaca parou para descansar. Era ali que
se localizaria a nova cidade.

A princípio, Cadmo quis oferecer o animal em sacrifício aos deuses.

Como precisasse de água pura para as libações, mandou os companheiros irem
buscá-la numa nascente na floresta vizinha. Enquanto isso, juntou algumas pedras grandes
e construiu um altar, onde dispôs a lenha necessária para o fogo sacrificial. Devia
respeitar os ritos se quisesse que a cidade nascesse sob bons auspícios.

O sol já ia alto no céu, e nenhum dos seus companheiros voltara. Inquieto, Cadmo se
perguntava o que os teria retardado. Decidiu sair à procura deles.

Tendo sua lança como única arma e uma pele de leão como couraça, entrou na
floresta. Não demorou a encontrar a nascente. Mas um horrível espetáculo o esperava.
Uma serpente gigantesca acabava de devorar seus queridos companheiros. Cadmo não
hesitou. Lança em riste, atacou o monstro. Sua tristeza superava o terror que sentia, e ele
só tinha uma idéia em mente: vingar os mortos ou compartilhar a sorte deles. O ferro
penetrou na pele escamosa, e jatos de um sangue escuro jorraram. Mas a cobra só fora
atingida de leve. Como ela não parava de se contorcer, a ponta da lança saiu da ferida.
E o monstro, enfurecido, saltou sobre o herói, que escapou por um triz.

Atacando a serpente mais uma vez, espetou-a e a obrigou a recuar. De súbito, ela se
chocou com um galho de carvalho, que transpassou sua garganta, e, ferida mortalmente,
foi ao chão.

Quando o vencedor contemplava seu adversário e chorava a perda dos amigos, a
deusa Atena lhe apareceu:

"Recolha os dentes do dragão", ordenou. "Semeie-os e verá nascer um exército de
soldados. Entre eles encontrará novos companheiros."

Cadmo efetuou a estranha semeadura.

Assim que enterrou os dentes, os torrões se ergueram. Apareceu um capacete
aqui, a ponta de uma lança ali, ombros, braços, e por fim toda uma seara de guerreiros
cresceu entre os sulcos recém-abertos. Cadmo desembainhou precipitadamente a
espada; de repente, diante dos seus olhos, os soldados começaram a lutar entre si e
acabaram se matando uns aos outros. Cinco deles, porém, escaparam sãos e salvos do
combate e declararam paz. Foi com a ajuda deles que Cadmo fundou Tebas.

Após alguns anos, Tebas já era uma cidade florescente, e a família real prosperou
com ela. Cadmo se casou com Harmonia, que lhe deu quatro filhas. Uma delas, Sêmele,
concebeu Dioniso. Outra, Agave, deu à luz Penteu, o infeliz rei de Tebas que se
recusou a receber Dioniso e o cortejo de bacantes. Vocês se lembram do fim sinistro desse
rei, que morreu dilacerado pela própria mãe no Citéron. A vingança do deus foi cruel.

As gerações seguintes tomaram o cuidado de não despertar a cólera divina. Mas um
destino trágico voltava a ameaçar a cidade.



OS INFORTÚNIOS DE ÉDIPO

Um oráculo predissera ao rei Laio que ele seria morto por seu próprio filho. Assim
que sua mulher, Jocasta, pariu um menino, ele o entregou a um pastor e mandou que
este o deixasse exposto às feras no monte Citéron. O homem partiu então com o
recém-nascido, cujos pés haviam sido atados com grossas cordas, mas não teve coragem
de abandoná-lo. Chegando à montanha, foi à casa de outro pastor e lhe confiou a criança.
Este último a levou ao rei de Corinto, Pólibo, que aceitou com alegria aquele filho
providencial. Por causa de seus tornozelos deformados pelas cordas, o bebê foi chamado
de Édipo, isto é, "pés inchados".

Édipo cresceu na corte de Corinto, mimado pelo rei Pólibo e por sua esposa, a
rainha Mérope, que o tratava como se ele fosse realmente seu filho. O menino correspondia
ao afeto deles. No entanto, na adolescência, um boato veio perturbar essa felicidade: dizia
que ele não era filho do casal real, que eles o tinham adotado. As zombadas freqüentes
o aborreceram; depois, passaram a preocupá-lo. Não adiantou o rei garantir que ele era seu
filho: Édipo quis descobrir a verdade por si. Quando alcançou a idade de deixar o
palácio, foi para Delfos.

O oráculo lhe revelou então um terrível destino:

"Você matará seu pai e se casará com sua mãe."

Édipo fugiu, horrorizado, pelas estradas. Nem sequer voltou a Corinto, a tal ponto
temia cometer o odioso crime contra Pólibo e Mérope, que pensava serem seus pais.

Cavalgava para Tebas quando, no cruzamento de três estradas, viu se aproximar um
carro que ia na mesma direção que ele. Naquela altura, o leito da estrada se estreitava, e era
preciso ceder passagem. Um cavaleiro mandou Édipo se afastar. Ele se recusou e, ainda
por cima, deu-lhe uma chicotada. O passageiro do carro, um ancião venerável, revidou
golpeando-o com seu bastão. A resposta não tardou: com a espada, Édipo matou o
agressor.

Seguiu caminho, ignorando que acabava de tirar a vida ao rei de Tebas, Laio... seu
pai!

Chegando diante da alta muralha da cidade, encontrou suas sete portas trancadas. Era
impossível entrar em Tebas. Um monstro fazia o terror reinar ali, recusando a passagem aos
estrangeiros que não soubessem resolver o enigma que formulava. Para quem errasse, a
resposta era a morte. Ele atirava os infelizes candidatos do alto dos rochedos...

Esse temível porteiro tinha cabeça de mulher e corpo de leão, e suas garras eram afiadas.
Chamavam-no Esfinge. A Esfinge perguntou a Édipo:

"O que é, o que é: de manhã tem quatro patas, ao meio-dia duas e à noite três?"

Édipo não demorou para responder:

"O homem: na manhã da vida, ainda bebê, ele engatinha; na idade madura,
mantém-se sobre as duas pernas; enfim, quando suas forças declinam, apóia-se numa
bengala."

Furiosa por ter sido derrotada, a Esfinge se atirou do alto dos rochedos e morreu do
mesmo modo como matava suas vítimas.

Édipo foi recebido como salvador da cidade. Nesse meio tempo, os cidadãos ficaram
sabendo da morte de seu rei, e a notícia chegara aos ouvidos da rainha Jocasta,
agora viúva. Por isso, quando decidiram entregar o trono a Édipo, ele a desposou.

Os primeiros anos do seu reinado foram felizes. Sua esposa lhe deu dois filhos,
Etéocles e Polinices, e duas filhas, Ismene e Antígona. Mas um novo flagelo pôs fim a essa
felicidade.

A morte passou a vitimar os animais e os homens. Crianças monstruosas nasciam e
morriam no mesmo instante. A peste devastava a cidade, destruindo tudo o que via a luz.
A população implorou ao rei que a livrasse daquela desgraça.

Édipo tinha se antecipado a essas súplicas e mandado Creonte, filho de Jocasta,
consultar o oráculo de Delfos. De volta ao palácio, Creonte repetiu as palavras do
deus: "Sua cidade está desonrada, Édipo. É preciso expulsar o culpado e fazê-lo pagar
pelo assassinato!". O rei não entendeu a que crime se referia o oráculo. O filho de Jocasta lhe
contou o velho incidente em que Laio, rei de Tebas, encontrara a morte. As
circunstâncias não eram muito bem conhecidas: contava-se que ele fora atacado por
bandoleiros... Quer dizer então que, de acordo com o oráculo, o culpado estaria perto dali?

Édipo resolveu fazer tudo para encontrá-lo. Reuniu os cidadãos na praça pública e
lhes disse: "Se algum de vocês sabe de quem é o braço que matou Laio, ordeno que me
revele! Seja quem for o culpado, proíbo que o recebam e que lhe dirijam a palavra! Quero
que o expulsem de casa, como a vergonha de nossa cidade...". O pobre infeliz ignorava
que acabara de pronunciar sua própria sentença.

Tirésias, o adivinho cego que conhecia a verdade, foi levado à sua presença. Mas se
recusou a contar o que sabia. "Como?", irritou-se Édipo. "Você sabe e não quer me
dizer?" O adivinho teimou, e o rei perdeu a cabeça e, em seu furor, acusou o próprio
Tirésias de ser o assassino.

"Pois bem, já que você quer assim", declarou o ancião, injustamente caluniado.
"Saiba que é você o criminoso que desonra este lugar!"

"O quê? Maldito adivinho!", gritou Édipo, louco de raiva. "Como ousa me
incriminar? Sorte sua ter cabelos brancos, senão eu o mandava para a prisão, para você
aprender que não é assim que se fala a um rei."

E, sem consideração para com o adivinho, expulsou-o do palácio.

Apesar disso, aquelas revelações o perturbaram. Tudo se tornou suspeito para ele.

E Creonte em primeiro lugar: desconfiava que ele queria lhe tomar o poder.
Tirésias com certeza era seu cúmplice, e os dois tinham inventado aquela história para
expulsá-lo de Tebas. Por isso, expulsou também Creonte. Só Jocasta continuava digna
da confiança dele; para acalmar sua ira e tranqüilizá-lo, ela lhe contou o oráculo que
predissera que Laio seria morto pelo próprio filho.

"Embora meu esposo tenha tomado todas as precauções", ela acrescentou, "acabou
sendo assassinado, Não por seu filho, que foi entregue às feras quando era pequenininho,
mas por bandoleiros, no cruzamento de três estradas..."

O cruzamento das três estradas! As imagens voltavam à memória de Édipo.

"O que você disse? Quando exatamente e em que lugar Laio morreu? Que idade
ele tinha? Como ele era?"

Jocasta, ainda que atordoada com tantas perguntas, respondeu com calma, e à
medida que ela falava, Édipo empalidecia. Ele revia perfeitamente os traços do ancião que
matara na estrada de Tebas, mas rejeitava essa idéia: não, não, Laio não era seu pai, ele
era filho de Pólibo!

Nesse momento chegou um mensageiro de Corinto para lhe anunciar a morte do rei
Pólibo. Essa notícia livrou Édipo de um grande peso. O oráculo que ele tinha ouvido um
dia não se realizaria: seu pai morrera de velhice, não fora assassinado por ele. Mas faltava
sua mãe! Percebendo os temores do rei, o mensageiro interveio novamente:

"Não precisa se preocupar, porque você é filho adotivo do rei e da rainha de
Corinto. Esse oráculo não diz respeito a eles."

O pobre mensageiro pensava estar ajudando ao lhe contar o que sabia, mas, para
Édipo, tratou-se de um golpe fatal. Sua origem lhe fora revelada pelo velho pastor que o
salvara quando bebê. O menino que Laio desejou que desaparecesse era... ele, Édipo, o
dos pés inchados!

O oráculo tinha se realizado. Ele matara o pai e — crime ainda mais abominável
— tivera quatro filhos com sua mãe! A desventurada Jocasta não suportou a notícia:
correu a se trancar em seu quarto para se suicidar. Édipo correu atrás dela. Mas chegou
tarde demais: a rainha havia se enforcado.

Louco de dor, Édipo arrancou dois broches da sua túnica e os cravou violentamente
nos olhos. O sangue inundou seu rosto, misturando-se às lágrimas. "Meus olhos não
verão mais o mal que sofri nem o que causei!" Foi um cego lamentável que saiu do
palácio, ante os olhos aterrorizados do povo.

Daí em diante, sua vida foi miserável. Édipo quis deixar o mais depressa possível
aquela cidade e morrer numa terra estrangeira. Partiu, vestido como um mendigo,
acompanhado pela filha Antígona. Andaram muito tempo sem encontrar refúgio. A
história dele assustava todos os que o viam passar. Somente um homem lhe concedeu
hospitalidade e proteção: Teseu, rei de Atenas. Édipo tinha se refugiado no bosque sagrado
de Colona, nos arredores da cidade, e a boa acolhida de Teseu o livrou de sua
desgraça. Para lhe agradecer, Édipo abençoou a cidade de Atenas, seu rei e seus
cidadãos. Como sabia estar próximo do fim, retirou-se para o olival sagrado.

Mais tarde Antígona contou o milagre que se produziu então. Enquanto rezavam, o
chão começou a tremer. Um ronco surdo ecoou sob seus pés. De repente, um relâmpago
inflamou o céu, e a terra se abriu. Quando voltou o silêncio, Édipo havia desaparecido:
fora se juntar aos mortos. Apesar da dor, a moça estava feliz por seu pai ter obtido o
perdão dos deuses. Como não tinha mais nada a fazer ali, tomou o rumo de Tebas, onde,
infelizmente, outros infortúnios a aguardavam.



OS SETE CONTRA TEBAS ANTÍGONA

Tebas estava dilacerada por uma guerra civil. Depois da partida de Édipo, seus
filhos não chegaram a um acordo para dividir o trono. Primeiro, optaram por se alternar
no governo. Mas, após um ano de reinado, Etéocles não quis ceder o posto ao irmão
Polinices. Este último, refugiado em Argos, decidiu voltar à frente de um exército e tomar
o poder, pela força se preciso. Aliou-se a seis outros chefes e se pôs a caminho para
conquistar sua própria cidade.

Os sete chefes lançaram o assalto, cada um diante de uma das sete portas
monumentais da alta muralha de Tebas. Polinices se encarregou da porta que o irmão
defendia. Os tebanos resistiram ao cerco e acabaram repelindo o agressor, mas, no
decorrer dos combates, os dois irmãos se enfrentaram à espada e mataram um ao outro.
O povo já não sabia se devia festejar o fim da guerra ou chorar a morte do rei. Como a
cidade estava novamente sem chefe, Creonte assumiu o poder.

O novo rei começou tomando uma medida terrível para o vencido. Diante do
Conselho dos Anciãos, anunciou:

"Etéocles pereceu defendendo sua cidade. Portanto, será sepultado num túmulo e
enaltecido como um herói. Quanto a seu irmão, ele agiu bem diferente: ousou tomar a ferro
e fogo a cidade de seus ancestrais! O cadáver dele será abandonado aos abutres, e exijo
punição a quem me desobedecer!"

Antígona se negou a aceitar essa lei injusta. Polinices devia ser enterrado, como
Etéocles. Do contrário, não poderia ir ao encontro dos outros mortos da família, na morada
das sombras. A moça deixou a cidade às escondidas e, aproveitando um momento de
distração das sentinelas, cobriu de terra o corpo do irmão. Encolerizado, Creonte ameaçou os
guardas e mandou que vigiassem com mais atenção os arredores.

Como, por ordem do rei, tinham descoberto o corpo de Polinices, a moça retornou ao
local onde ele se encontrava, mas dessa vez foi pega em flagrante e levada ao palácio:

"Você reconhece ter infringido a proibição de enterrar Polinices?", perguntou-lhe
Creonte. "Sabe a que se expõe?"

Antígona não se deixou impressionar. Respondeu ao rei com altivez:

"Sei que, na sua opinião, cometi um crime, e concordo em pagar por ele, mesmo
que seja com a vida. Mas fique sabendo que o que faço é um bem para os mortos. Pouco
me importa a sua lei!"

Desmoralizado, Creonte quis punir essa audácia: condenou a moça a ser emparedada
viva. Nada o fez voltar atrás, nem mesmo as súplicas de seu filho Hêmon, que era
noivo de Antígona. Quanto mais tentavam demovê-lo, mais ele se mostrava intratável.

O adivinho Tirésias, no entanto, conseguiu que ele cedesse. Preveniu-o contra a
cólera dos deuses: Creonte estava indo longe demais. O rei aceitou então recuar de sua
decisão. Mas já era tarde.

Quando foi ter com Antígona, encontrou-a enforcada. Seu filho, que já a vira, matouse
diante dele. O rei abraçou o cadáver de Hêmon com toda a força e voltou para o
palácio, carregando-o nos braços. Aos prantos, amaldiçoava a si próprio. Uma triste notícia
o aguardava: sua esposa, Eurídice, ao saber da morte do filho, suicidara-se. Este último
golpe do destino aniquilou Creonte.

A família de Édipo não era a única a sofrer as piores desgraças. Tebas inteira havia
sido atingida por uma maldição cuja última vítima foi Creonte

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