HEFESTO, AFRODITE E ARES

terça-feira, 28 de outubro de 2008

HEFESTO, AFRODITE E ARES

Como Hades, Hefesto quis ter a companhia de uma bonita deusa. O deus ferreiro
morava numa grande gruta aberta na encosta de um vulcão. Ali instalou sua oficina com
pesadas bigornas, foles incansáveis e ferros em brasa. As marteladas ressoavam o dia inteiro
nesse antro barulhento, porque o deus, ajudado pelos Ciclopes, passava o tempo fabricando
magníficas armas. Ele sabia trabalhar os metais melhor do que ninguém, e nenhuma proeza
técnica lhe era impossível.

De suas mãos hábeis saiu um dia uma rede, toda feita de bronze. Era tão fina que
mal dava para se distinguirem as malhas. E, no entanto, cada fio tinha a solidez de
doze cabos. Nenhum animal, por mais forte que fosse, teria podido se safar dela.

A presa que o deus queria capturar era de porte... Ele estava se preparando para
surpreender sua própria esposa, Afrodite, na companhia do amante, o impetuoso
Ares, o deus da guerra em pessoa. As aventuras da volúvel deusa tinham sido
denunciadas pelo Sol, e o marido não pretendia continuar a ser enganado.

É preciso dizer que o casamento deles não era dos mais sólidos. Alguns anos antes,
na época em que se casaram, a união da mais linda das deusas com aquele ser disforme
espantara os deuses. De fato, Hefesto não era favorecido pela natureza e tinha por
esposa a mais bela de todas as criaturas.

Afrodite era filha de Urano e veio à luz numa concha de madrepérola. Desde que
nascera, encantara a todos com sua beleza excepcional. Um terno sorriso animava
continuamente seus traços delicados. A brancura da pele rivalizava em brilho com o
dourado dos longos cabelos.

Sua chegada ao Olimpo não passou despercebida. As rivais de Afrodite, as outras
deusas, viram-na com maus olhos, enquanto os deuses tentaram em vão seduzi-la. Eles
ainda ignoravam que Hera já a tinha prometido a um de seus filhos, o deus Hefesto.

A esposa de Zeus esperava assim se reconciliar com esse filho que ela havia maltratado
tanto. Ao nascer, Hefesto era uma criança desproporcionada, com uma cabeça
enorme e membros frágeis. Sua mãe se recusou a reconhecê-lo. Agarrou-o pela perna e o
atirou nos ares. O bebê caiu no oceano, onde as ninfas marinhas, Tétis e Eurínome, o
acolheram. A queda, que por pouco não foi fatal para ele, conferiu a Hefesto uma
deficiência que acentuou sua deformidade natural. Apesar dessas desgraças, o deus
coxo teve uma infância feliz. Desenvolveu excepcionais qualidades para o trabalho dos
metais, e a fama dele chegou aos deuses. Para provar suas boas intenções, Hera decidiu
lhe dar Afrodite como esposa.

Hefesto se mostrou mais que satisfeito com essa companheira inesperada, e
Afrodite aceitou de imediato a união. Ela estava fascinada com o talento do artista e
contava que este lhe faria jóias de dar inveja às outras deusas.

Mas a vida que ele lhe oferecia na forja não convinha à deusa. O calor e o barulho
logo se tornaram insuportáveis, e ela teria preferido uma companhia mais refinada que a
dos Ciclopes. Assim, a deusa do amor não demorou a ir buscar fora de casa os prazeres e
a vida de delícias que lhe faltavam.

Ares, deus da guerra, conquistou-a. Hefesto não desconfiou de nada, e Afrodite se
aproveitou disso. Inventando pretextos, ela ia se encontrar com o amante. O casal se
separava antes do raiar do dia. Depois, seus encontros apaixonados se tornaram cada
vez mais freqüentes, e a vigilância dos dois diminuiu.

Certa manhã, esqueceram-se de acordar e foram surpreendidos pelo Sol. Com
inveja do deus da guerra por Afrodite tê-lo preferido, o Sol contou a aventura a Hefesto.
O deus não deixou sua raiva se manifestar: decidiu pegar a infiel em flagrante.

Foi para isso que o hábil ferreiro concebeu a prodigiosa rede de bronze. Armou-a
acima da cama em que os amantes se encontravam. Um fio oculto atrás do cortinado
deveria acionar seu fechamento. Quando a armadilha ficou pronta, Hefesto anunciou à
esposa que iria se ausentar por alguns dias. Mal o deus desapareceu na curva de uma
estrada, ela chamou Ares.

Hefesto deu tempo suficiente para os dois se deitarem e voltou para casa. Da porta, já
podia ouvir os palavrões de Ares misturados aos gritos de raiva da amante: quanto
mais eles se debatiam, mais as malhas da rede se apertavam.

Não contente em tê-los surpreendido, Hefesto lhes ofereceu como espetáculo aos
outros deuses, que adoravam esse gênero de divertimento e não se fizeram de rogados.
Alguns até sentiram inveja do pobre Ares. As zombadas se sucediam, enquanto as
deusas, contidas pelo pudor, esperavam na porta comentando o caráter volúvel da
bela rival...

Quando finalmente foram soltos, Ares e Afrodite se separaram. Em vez de
voltar ao lar, a deusa se retirou para a ilha de Citera, onde a vida era mais agradável
para ela. Não esqueceu a humilhação de que fora vítima e esperou o momento de tirar
uma desforra memorável contra aquele que os denunciara. Mas essa desventura não a
impediu de amar outros.

Do deus Ares, ela teve um filho, Eros. Desde pequeno, esteja possuía os mesmos
poderes da mãe. Sabia inflamar os corações. Uma só das suas flechas bastava para
desencadear as paixões mais vivas. A própria Afrodite foi vítima delas.

Um dia em que Eros se aninhou em seu colo para receber um beijo, não se deu
conta de que uma flecha, saindo da aljava, roçou o seio da mãe. Afrodite a afastou
ternamente, sem se preocupar com o ferimento. Mas aquele arranhão leve não tardou a
despertar o amor no seu coração...

A beleza de Adônis, um jovem caçador que ela viu numa clareira, inspirou-lhe um
sentimento cuja força a deusa ainda não experimentara. Afrodite fez dele seu companheiro e
passou a compartilhar suas longas corridas nos bosques em busca de caça. Viam-na atravessar
as planícies a seu lado ou descansar num vale, abraçada ao rapaz. Escolhia para ele um
animal inofensivo e o prevenia contra os javalis, os ursos e os lobos.

Enquanto estava junto dela, Adônis se contentava em caçar lebres e cervos. Mas a
deusa teve que se ausentar: reclamavam sua presença no Olimpo. Voou pelos ares, num
carro puxado por quatro cisnes brancos, não sem lançar um olhar inquieto para o alto da
serra em que deixara o belo namorado.

Adônis descia correndo as encostas cobertas de floresta, atrás da sua matilha. Sem
que percebesse, os cães seguiram um novo rastro. De repente, começaram a latir,
enraivecidos. Adônis foi ver o que era, e avistou entre as árvores os olhos brilhantes e as
defesas curvas de um enorme javali. O bicho ia sair da floresta quando a lança do caçador
se cravou no seu flanco. Furioso, o animal ferido se virou violentamente, arremessando
longe a lança coalhada de sangue. E avançou para o rapaz, que já tratava de fugir. Mas
as raízes das árvores o atrapalhavam, fazendo-o tropeçar o tempo todo. A dor
decuplicava as forças do javali, que alcançou o pobre caçador e lhe fincou as defesas
na coxa. Ferido mortalmente, Adônis foi ao chão com um grito dolorido. Afrodite o
ouviu. Imediatamente deu meia-volta e correu para junto do corpo. Adônis acabava de
expirar. Desesperada, a deusa rasgou as roupas e gemeu horas a fio, lamentando a
crueldade do destino.
Suas lágrimas se misturaram com o sangue que corria do ferimento do rapaz, e delas
nasceram frágeis anêmonas. Todos os anos, o espetáculo das flores renascendo perpetua a
lembrança da sua dor.

O amor com que Afrodite enchia os corações teve conseqüências funestas para
nações inteiras. A Guerra de Tróia, que opôs gregos a troianos durante dez anos
cruentos, foi causada pelo amor que a bela Helena, esposa de um rei grego, inspirou
em Páris, príncipe troiano. Foi assim que Afrodite recompensou Páris por tê-la designado
a mais bela das deusas.

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