JASÃO E O TOSÃO DE OURO

terça-feira, 28 de outubro de 2008

ATREU E TIESTES

O cordeiro de tosão de ouro nasceu da união de Posêidon com a princesa Teofane. O
deus raptara a jovem e a transformara em ovelha para ocultá-la dos outros pretendentes,
enquanto ele próprio assumia a forma de um carneiro.

Mais tarde, Hermes levou o animal maravilhoso pelos ares até a planície da
Argólida, perto de Micenas.

O acaso o pôs no rebanho de Atreu, que tinha se refugiado junto do rei dessa
cidade com seu irmão Tiestes. O pai deles, Pélope, expulsara-os e os amaldiçoara por causa
de um crime detestável: haviam assassinado o meio-irmão deles, Crisipo, filho de Pélope
com a ninfa Axioqué. A mãe de ambos, Hipodâmia, com ciúme da rival, é que incitara
os filhos a cometer tal crime. Desde então, os dois viviam exilados em Micenas.

Quando Atreu, por intermédio de seu pastor, tomou conhecimento da preciosa
descoberta, mandou que ele a mantivesse em segredo. Somente sua esposa, Érope, ficou
sabendo da existência do animal prodigioso, mas ela se apressou a revelá-la a Tiestes, de
quem era amante.

A cidade vivia na época uma confusão tremenda: seu rei acabava de morrer sem
deixar sucessor. Consultado o oráculo, foi revelado aos habitantes que eles deveriam
entregar o poder a um dos filhos de Pélope.

Os dois irmãos, então, tornaram-se rivais. Atreu propôs que o povo designasse rei
em possuísse um sinal manifesto de sua força, por exemplo, um carneiro de tosão de
ouro... O infeliz não sabia que, nesse meio tempo, sua esposa tinha roubado o carneiro
para dá-lo ao irmão dele.

Dirigiram-se cada um para o seu curral, confiantes na vitória. Atreu atravessou a
porteira, esperando ver brilhar na escuridão a auréola dourada do carneiro.
1 Pêlo de lã do carneiro e de outros animais.
Mas, dessa vez, tudo continuou escuro: não havia o menor indício do animal. Tinha
desaparecido e, com ele, o pastor.

Consternado com a descoberta, Atreu correu para a casa do irmão. Antes mesmo de
entrar, ouviu os gritos de alegria e enxergou o brilho admirável. Tiestes se mostrava
triunfante na soleira da porta, com o animal que iria lhe dar o poder. Atreu entendeu a
tramóia de sua mulher quando a viu, radiante, ao lado do irmão dele. Voltou para o
palácio com o coração tornado por ódio mortal, jurando que sua vingança estaria à
altura da traição.

Bem no meio da festa em que homenageavam o novo rei, Atreu surgiu repentinamente
na sala do banquete, interrompendo os cantos e as danças:

"Zeus, protetor do lar, não aprova essa eleição, que se baseia na traição de uma esposa
má. Ele me enviou seu mensageiro Hermes para preveni-los de que o verdadeiro rei
será designado por um novo prodígio. Se o sol inverter sua trajetória e amanhã nascer
no Oeste, eu é que subirei ao trono. Mas se, como todas as manhãs, o carro de Hélio partir
do Oriente, você poderá continuar a festejar sua vitória, caro irmão!"

Tiestes aceitou, sem acreditar na realização de tal revolução celeste. Mas, de
madrugada, a inquietude tomou o lugar de sua certeza. Olhando pelas janelas que abriam
para o Leste, não viu o horizonte se tingir de rosa, como sempre. O ar conservava o
frescor azulado da noite. Atravessando precipitadamente o salão, foi até a galeria que dava
para o oeste, onde a alvorada já se aquecia aos primeiros raios do sol e as telhas se
avermelhavam sob uma luz matizada. O incrível prodígio se realizava. Passos às suas costas
o levaram a se virar. Atreu se aproximava, seguro de si, o rosto animado por um sorriso
cruel:

"Está vendo? Os deuses me são favoráveis. Cabe a mim reinar em Micenas. Se você
não deixar esta terra antes que o sol termine sua trajetória, mandarei prendê-lo por
conspiração contra o legítimo soberano."

Tiestes foi banido do reino. Despojado de todas as suas riquezas, errou como um
vagabundo pelas estradas, com os três filhos. Mas a sede de vingança de Atreu não fora
saciada. Ele concebeu um crime odioso para liquidar definitivamente o irmão.

Alguns anos depois, fingindo querer se reconciliar com ele, chamou-o a Micenas. Sem
desconfiar de nada, Tiestes respondeu alegremente ao convite, feliz por recuperar sua
posição. Para celebrar o reencontro, Atreu organizou festas suntuosas. As mesas estavam
repletas de pratos refinados. As taças transbordavam de vinhos esplêndidos.

Para coroar o banquete, Atreu anunciou ao irmão um prato único. Serviu-lhe, sem
que Tiestes percebesse, os próprios filhos deste cortados em pedacinhos. Quando ele
terminou de comer, Atreu lhe mostrou a cabeça dos filhos e revelou o crime abominável.
Tiestes se levantou de um pulo, virando violentamente a mesa. Não conseguiu vomitar o
que havia comido, mas ainda teve forças para insultar o irmão:

"Maldita seja sua gente! A faca que você usou contra os filhos do seu irmão, a
esposa usará contra o esposo, e o filho contra a mãe!"

Atingido por essa maldição, o palácio de Micenas viu correr o sangue dos
descendentes de Atreu, os atridas, durante várias gerações.

No início da Guerra de Tróia, o grande rei Agamêmnon, filho de Atreu, foi obrigado
a aceitar o sacrifício de sua própria filha, Ifigênia. Só assim os navios gregos puderam
partir do porto de Áulis. Ao regressar, ele foi assassinado pela esposa, Clitemnestra,
ajudada pelo amante, Egisto, que havia usurpado o trono. O filho deles, Orestes, não
descansou enquanto não vingou o pai traído. Derramou por sua vez o sangue da sua
gente, tornando-se culpado de um matricídio.



FRIXO E HELE

Enquanto isso, em outra parte da Grécia, a Beócia, o ciúme de uma mulher iria
prejudicar duas crianças.

Ino, com quem o rei de Orcômeno, Atamas, casara em segundas núpcias, odiava
os filhos que ele tivera com a primeira mulher, Néfele. O dia inteiro ela importunava o
esposo com suas queixas e recriminações:

"Não posso suportar a preferência que você tem pelos filhos da sua primeira mulher.
Néfele são águas passadas! Mande Frixo e Hele para longe deste palácio. Quero que
Learco e Melicerta sejam os filhos principais da casa."

E ele incansavelmente respondia:

"Calma! Eu amo os filhos que você me deu tanto quanto os de Néfele. Quero
que recebam a mesma educação!"

Ino não se satisfez com essas palavras tranqüilizadoras. Urdiu1 uma artimanha
destinada a prejudicar Frixo e Hele. Mandou tostar as sementes acumuladas nos
celeiros do palácio para os plantios seguintes. Com isso, não adiantou enterrá-las e regálas:
elas não produziram nada. Na falta das colheitas esperadas, a cidade se viu
ameaçada pela fome. Preocupado com seu povo e não compreendendo aquela súbita
esterilidade do solo, Atamas resolveu consultar o oráculo de Delfos.

Ino ofereceu um de seus servidores para levar a cabo essa missão. Antes de o
criado partir, ela lhe ditou a resposta que devia trazer. O rei ficou arrasado com a terrível
notícia: "Para que a terra recobre sua fertilidade, Apolo reclama o sacrifício de Frixo e
Hele". Dividido entre a salvaguarda do seu povo e a de seus filhos, o rei acabou
aceitando essa decisão, que julgava ser a vontade divina.

Mas os deuses não podiam permitir que semelhante crime fosse dissimulado sob a
aparência de um decreto divino. Por ordem de Zeus, Hermes foi a Micenas buscar o carneiro
de tosão de ouro e o entregou a Néfele, mãe das duas vítimas, a fim de que o animal levasse
seus filhos para longe do altar.

No momento em que o sacerdote ia consumar o sacrifício, uma espessa nuvem ocultou
a cena aos olhos dos espectadores atônitos. Inesperadamente, uma luz intensa varou o
nevoeiro. Todos viram então se erguer nos ares o animal maravilhoso montado pelas
duas crianças solidamente agarradas à lã dourada.

Voando pelo céu azul, o carneiro se dirigia para o continente asiático, onde as crianças
estariam protegidas. Os dois irmãos se sentiam cada vez mais seguros e relaxados,
quando de repente, entre duas nuvens, apareceu o litoral. Sabendo-se perto do destino, a
menina soltou o pêlo do animal para bater palmas. No mesmo instante, o carneiro
embicou para baixo, a fim de aterrissar. A jovem Hele perdeu o equilíbrio e, como seu
irmão não conseguiu segurá-la, caiu nas águas profundas. Em lembrança da triste queda,
esse mar passou a ser chamado Helesponto.

Frixo continuou montado firmemente, e chegou são e salvo a Cólquida. O rei
Eetes o recebeu calorosamente e permitiu que ele se recuperasse de todas aquelas
emoções. Então o rapaz ofereceu o carneiro em sacrifício a Zeus, como agradecimento por
tê-lo salvado. O deus ficou muito lisonjeado e prometeu prosperidade a quem tivesse
em seu poder o pêlo do belo animal. Frixo o deu a seu anfitrião, que dedicou a preciosa
pele de carneiro a Ares e a pendurou numa árvore, num bosque consagrado ao deus da
guerra.

Zeloso do seu tesouro, o rei confiou sua guarda a uma monstruosa cobra, que se
enrolou no tronco. Assim, quem quisesse se aproximar, teria que enfrentar o temível
guardião.

Um herói grego não iria demorar a encarar esse desafio.



JASÃO

Jasão era filho de Éson. Passou a infância na Tessália, numa gruta do monte Pélion, e
foi educado pelo centauro Quíron. Assim, cresceu longe das cidades e revelou grandes
aptidões: sabia manejar o arado e arremessar dardos, e vencia qualquer um na corrida.
Tornou-se forte em contato com a natureza, percorrendo todos os dias os bosques e os
vales.

Quando ele ficou adulto, seu pai achou melhor lhe revelar sua verdadeira condição:

"Querido filho, seu lugar não é aqui. Um destino prestigioso o aguarda no trono da
cidade de Iolco. Eu era o legítimo soberano dela até meu meio-irmão Pélias me destronar.
Já é tempo de você ir à corte e reclamar o que lhe pertence."

Surpreso com a notícia, Jasão fez o que disse o pai. Cobrindo os ombros com uma
pele de animal, abraçou seus velhos pais e tomou o caminho da cidade.

Ao chegar ao vale, foi detido por um rio de águas profundas. Estava examinando os
arredores à procura de uma passagem, quando viu, perto dele, uma velhinha que não
ouvira se aproximar.

"Poderoso senhor", disse ela com voz trêmula, "pode me ajudar a atravessar o rio?
Minhas forças não permitem que eu enfrente a violência da correnteza."

"Não é que me recuse a ajudá-la", respondeu o rapaz, surpreso com a aparição.
"É que só tenho minhas costas a lhe oferecer, e nenhuma certeza de que chegarei são e
salvo à outra margem."

Sem levar em conta a hesitação dele, a velhinha subiu nas costas de Jasão.

A água gelada atingiu rapidamente a altura do queixo do jovem, que engoliu água
várias vezes, pois tinha sobre si o peso da passageira, cujas roupas encharcadas o
empurravam para o fundo. Graças a um grande esforço, ele conseguiu lutar contra a
correnteza. Finalmente, alcançou a oposta e desabou na terra úmida.

Quando recobrou o fôlego, procurou sua companheira de travessia. Em vez da
velhinha, deu com uma silhueta esguia, trajando um elegante vestido púrpura.

A cor do tecido contrastava com o brilho de uma pele branca, realçada por uma
abundante cabeleira castanha e olhos cor de esmeralda. O rapaz ficou mudo diante
daquele prodígio.

Antecipando-se às perguntas, a mulher tomou a palavra:

"Sua generosidade iguala sua nobreza. Você não temeu perder a vida para ajudar uma
pobre velhinha. Esse teste me permitiu conhecê-lo melhor. Saiba que, a partir de agora, será
protegido por Hera, esposa de Zeus, em recompensa à sua coragem. Vá, siga seu caminho,
que duras provas o esperam."

Mal a deusa terminou essa frase, sua imagem se turvou, e ela desapareceu.
Julgando-se vítima de uma miragem, o rapaz tentou encontrar ao redor algum indício da
presença divina. Já não dava para ouvir nenhum barulho, nem mesmo o do movimento das
águas. Aliás, a violência destas cessara de repente, e a água, agora clara, corria calma entre
grandes pedras. Jasão notou que havia perdido uma sandália na travessia. Mas foi em
frente, sem sentir as pedras do caminho.

Assim, descalço, atravessou as portas da cidade ante o olhar inquieto dos habitantes.
O homem a quem perguntou onde ficava o palácio apontou a direção com um gesto
furtivo, depois saiu correndo. As pessoas se aglomeravam à sua passagem. Todo mundo
olhava para o seu pé descalço. Jasão sentia muito se apresentar daquele jeito, mas também
não achava que uma sandália a menos fosse um problema tão grande. É que ele ignorava
a importância do detalhe para a cidade.

Alguns anos antes, logo que se apoderou do trono, Pélias quis saber quanto tempo
duraria o seu reinado. Um oráculo lhe disse então que desconfiasse de um homem com
um pé descalço. O tempo passou sem que se pensasse mais na estranha profecia até o dia
em que Jasão entrou na cidade.

A notícia já se espalhara por toda parte quando ele chegou ao palácio. Sem saber
que se tratava do sobrinho, Pélias observou em primeiro lugar o sinal anunciado pelo
destino. Em pânico, perguntou qual a origem de Jasão. Este não lhe escondeu nada e o
informou da finalidade da sua visita. Antes de responder a seu pedido, Pélias lhe fez uma
derradeira pergunta:

"Na sua opinião, quem é digno de governar o reino?"

"O homem que trouxer o Tosão de Ouro", disse o rapaz sem pensar.

Seu tio o levou ao pé da letra:

''Pois bem, vá buscar o Tosão se pretende governar em meu lugar. Tem um mês para
se preparar para essa longa viagem. Leve junto os companheiros que quiser e me peça
tudo o que necessitar."

Pélias pensava atenuar, com essa generosidade, o rigor da prova que impusera ao
sobrinho.

Jasão foi o primeiro a ficar surpreso por ter dado aquela resposta, que sem dúvida
lhe fora soprada por alguma divindade. Aceitando o desafio, iniciou os preparativos
para sua expedição.



PARTIDA PARA A CÓLQUIDA

Ninguém ainda havia ido tão longe no mar. A navegação estava apenas
engatinhando, e os navegantes raramente se distanciavam da costa. A construção da nau
para essa grande aventura, Jasão confiou a Argos, um célebre arquiteto, que contou com
a ajuda de Atena.

O casco foi feito de madeira do Pélion, e um pedaço do carvalho sagrado de
Dodona foi reservado para a proa. A construção durou um mês, durante o qual a notícia
da formidável expedição à Cólquida se espalhou pela Grécia. Cinqüenta heróis gregos
responderam ao chamado de Jasão e se reuniram para embarcar na nau Argo, batizada com o
nome do arquiteto. Os que participaram da expedição foram denominados
"argonautas".

Tífis, que aprendera com Atena a arte da navegação, foi o piloto. Orfeu, músico e
poeta vindo da Trácia, juntou-se a eles. Com os acordes da sua lira, ele sabia encantar os
homens e os animais. Sua arte iria ser muito útil durante a viagem. A tripulação
compreendia também Castor e Pólux, irmãos de Helena. A lista completa dos heróis que
tomaram lugar nos bancos de remo é extensa demais para se reproduzir aqui.

Os expedicionários ofereceram sacrifícios a Apolo e deixaram o golfo de
Pagasai, ao sul da Tessália, não longe de Iolco. Aproveitando um vento favorável, a nau
se fez ao mar.

O começo da travessia transcorreu sem problemas. Nas escalas nas ilhas, os
argonautas recebiam uma acolhida calorosa. Depois o mar passou a ficar mais e mais
agitado. As tempestades se sucederam, obrigando-os às vezes a voltar para trás. Uma
dessas voltas teve tristes conseqüências.

Eles aportaram em plena noite na costa da ilha de Cizico, cujo rei lhes
oferecera hospitalidade alguns dias antes. Na escuridão, seus habitantes, os dolíones,
tomaram-nos por piratas e os atacaram. Os heróis revidaram, sem reconhecer os
anfitriões da véspera. De manhã, os gregos tinham vencido, e Jasão se deu conta de que
havia matado o próprio rei. Lamentos e soluços se fizeram ouvir nos dois lados. Os
argonautas homenagearam o rei com esplêndidos funerais. Em seguida, com o coração
pesado, partiram novamente. Curvados sobre os remos, os heróis nem mesmo se
encantavam com as melodias que Orfeu entoava para marcar a cadência das remadas.

Em virtude das dificuldades crescentes sentiam que estavam chegando a seu
destino. Travaram vários combates mortais e enfrentaram muitas outras tempestades
violentas. Uma delas os forçou a fazer escala na costa trácia, na margem européia do
Helesponto.

Vivia ali Fineu, um adivinho cego que os deuses haviam afligido com uma terrível
maldição. Cada vez que ele era presenteado com pratos de comida, as Harpias, aves com
cabeça de mulher, precipitavam-se para lhe roubar a refeição e emporcalhá-la com seus
excrementos.

Os gregos o abordaram para conhecer o futuro de sua expedição pouco antes de
transporem a perigosa passagem do Bósforo, mas o infeliz velhote impôs uma condição:
"Concordo em revelar o que sei sobre a continuação da aventura de vocês se me
livrarem desses bichos abomináveis". Os argonautas aceitaram.

Quando as Harpias investiram contra o velho, Calais e Zetes, dois heróis alados,
lançaram-se em sua perseguição. Essa caçada extenuou as Harpias, que juraram
renunciar aos ataques.

Fineu contou então aos heróis uma parte dos perigos que ainda deveriam enfrentar:

"Antes de chegar à Cólquida, terão que atravessar o estreito das Simplégades. Dois
rochedos móveis assinalam sua entrada. Eles se afastam e se aproximam sem parar,
triturando tudo o que os separa. Até hoje nenhuma nau conseguiu evitá-los. Para saber se
os deuses são favoráveis, é só vocês soltarem uma pomba. Se ela passar sem problemas,
poderão ir atrás dela; se não, terão que dar meia-volta. E, agora, boa viagem!"

Tão perto do fim, os gregos esperavam não ter que dar meia-volta. Seguiram à
risca os conselhos do sábio adivinho e se mantiveram longe dos rochedos. A pomba
levantou vôo, e de repente um grito de alegria ecoou: ela atravessara o estreito...
perdendo somente algumas penas.

Por sua vez, a nau se preparou para a passagem. Os remadores concentraram forças
enquanto esperavam os rochedos se afastarem. Assim que o espaço foi suficiente, enfiaram
como um só homem os remos nas ondas. A nau saltou sobre as águas e venceu os recifes.
Logo depois, ouviu-se um estrondo formidável: a passagem acabava de se fechar bem atrás
da nau, danificando a popa, como fizera com a cauda da pomba.

Diante deles se abria enfim o mar Negro. Atravessaram esse mar costeando as
montanhas do Cáucaso e chegaram à Cólquida. Foi com alegria que saudaram a terra
pela qual haviam enfrentado tantos perigos. Enquanto os companheiros descansavam,
Jasão foi encontrar Eetes e lhe expôs o objetivo da sua missão.



O PREÇO DO TOSÃO

Embora visse com maus olhos a expedição, o rei não o demonstrou. Fingiu aceitar o
pedido que Jasão lhe fez, mas impôs algumas condições:

"Você pode levar o Tosão de Ouro se sair vencedor em duas provas. A primeira
consiste em domar dois touros que Hefesto me deu e nos quais nunca se pôs uma canga.
Depois, com eles, terá que arar um campo onde semeará os dentes de um dragão. Não
direi mais nada. Você saberá a continuação no momento oportuno."

Um tanto perplexo, Jasão voltou para a praia, onde se preparava para descansar urna
noite antes de enfrentar as provas. Mal ele saiu do palácio, uma moça lhe fez sinal para
que se aproximasse.

"Bom dia, Jasão. Sou Medéia, filha do rei. Ouvi a conversa de vocês e vim lhe
oferecer minha ajuda. Meu pai não disse tudo: os touros cospem fogo pelas ventas. Mas
conheço um ungüento que permitirá a você enfrentá-los sem perigo. Depois, cuidado! Vai
ver sair da terra guerreiros armados de bronze. Sozinho contra todos, você não tem
chance. Jogue então uma pedra entre eles. Vão se precipitar para pegá-la e se matarão uns
aos outros."

Comovido com a oferta, Jasão falou:

"Aceito com prazer sua ajuda. Sem você, estaria perdido. O que posso lhe oferecer
em troca?"

A princesa respondeu sem hesitar:

"Case-se comigo e me leve para a Grécia." O ar decidido de Medéia impressionou
Jasão. Logo lhe ocorreu que a moça poderia ser útil na travessia de volta. Além do mais,
Jasão não ficara indiferente à sua beleza. Ela, por sua vez, tinha se apaixonado à primeira
vista pelo herói, cuja coragem a sensibilizou. Separaram-se com promessas.
No dia seguinte, uma multidão de espectadores estava reunida no local da prova.

O próprio rei se encontrava ali, rodeado por seus guardas. A um sinal dele, fizeram entrar
os touros de casco de bronze. Quando estes viram Jasão se aproximar, deram mugidos que
gelaram a assistência. O herói os enfrentou. O sopro dos bichos não queimava seu corpo
besuntado com o ungüento da maga. Jasão avançou na direção deles com autoridade. Os
touros não estavam acostumados a ver um homem tão de perto. Por isso, ficaram imóveis
quando Jasão lhes acariciou o pescoço e pôs a canga neles. Ufa! Passara com sucesso pela
primeira prova. O clamor dos companheiros redobrou a coragem do herói.

Uma vez atrelados, os dois colossos puxaram o arado pelo solo virgem da
planície. Jasão pegou num capacete os dentes do dragão e os semeou no campo lavrado.
No mesmo instante, a terra úmida deu figura humana a essas sementes. Surgiram do
solo guerreiros brandindo armas contra o herói. O medo tomou conta dos espectadores e
lhes impôs silêncio. Medéia empalideceu e teve que sentar. Sozinho diante de um
exército inteiro, Jasão não perdeu o sangue-frio. Lembrou-se dos conselhos... abaixou-se
devagar, sem tirar os olhos de seus adversários ... apanhou uma pedra pesadíssima e,
bruscamente, atirou-a com toda a força no meio dos inimigos. O furor guerreiro logo se
virou contra eles próprios, que pereceram sob os golpes que se infligiram mutuamente.

Todo mundo felicitou o vencedor. Jasão reclamou o Tosão de Ouro, mas Eetes,
furioso com o resultado, mandou que ele mesmo fosse buscá-lo.

Graças às poções mágicas de Medéia, o herói adormeceu o guardião pavoroso,
apoderou-se do Tosão e voltou correndo para a nau. Todos embarcaram imediatamente,
levando Medéia e seu jovem irmão Absirto.

Em face da traição da filha, o rei mobilizou seus melhores soldados e saiu ao
encalço dos gregos. Estava quase alcançando-os, quando Medéia pôs em execução um
plano cruel, destinado a cessar a perseguição. Atraiu o irmão à popa da nau e o degolou.
Cortou-o então em pedaços, que jogou no mar. O infeliz pai se demorou catando os
restos do filho e se deixou ficar para trás. A nau Argo rumou a toda a velocidade para a
Grécia.

A travessia foi repleta de perigos, e chegou a haver mortes. Os navegantes
descobriram costas inexploradas e novas rotas, marcando sempre sua passagem com
um templo ou uma estátua consagrada a uma divindade que os havia protegido.

Enfim, quatro meses depois de partir, a nau entrou no porto de Iolco. Terminada a
expedição, os argonautas se separaram, saindo cada qual em busca de novas aventuras.



UMA ESPOSA PERIGOSA

E Jasão presenteou o rei com o Tosão de Ouro, o qual lhe permitia obter o trono.
Pélias, que já estava velho, foi obrigado a aceitar. Essa recompensa merecida não bastava,
porém, para o herói, que não esquecera o exílio do pai... Para ajudá-lo na vingança, Medéia
se valeu de seus poderes mágicos.

Desde que chegara a Iolco, a astuciosa maga soubera conquistar a confiança das
filhas de Pélias. Durante uma conversa, re velou-lhes que podia rejuvenescer qualquer
criatura.

"Cara Medéia", perguntaram-lhe as jovens, "você seria capaz de realizar esse
prodígio com nosso pai querido? Estamos muito tristes vendo-o velho e tão próximo da
morte!"

Medéia se fez um pouco de rogada, depois se submeteu à vontade delas. Primeiro
tentou a experiência num carneiro velho. Num caldeirão, pôs água para ferver juntamente
com ervas mágicas; em seguida, jogou lá dentro o animal que havia cortado
previamente em pedaços. O milagre então se produziu. Da espuma fervente surgiu um
lindo cordeirinho, que começou a balir. As moças, maravilhadas, aplaudiram Medéia e
lhe pediram que fizesse a mesma coisa com Pélias.

"Vocês é que têm que rejuvenescer seu pai. É só repetirem exatamente meus
gestos."

Elas correram então ao quarto onde o pai dormia.

O caldeirão estava pronto, e as ervas já difundiam seu perfume no palácio. Mas, ai!,
o prodígio não se realizou. Os pedaços sangrentos do velho rei ferveram na água
fumegante, e nada! As pobres coitadas se deram conta do erro que tinham cometido e
desesperadas, abriram seu próprio peito.

Jasão felicitou Medéia, mas, no seu íntimo, começava a se preocupar com os
terríveis poderes da maga... Os esposos nem tiveram tempo de desfrutar a vitória, porque
os cidadãos de Iolco, horrorizados com o crime, expulsaram-nos da cidade, e eles
tiveram que se refugiar em Corinto.

Durante dez anos, viveram felizes na corte do rei Creonte, e Medéia deu dois filhos
ao marido. Mas uma idéia perturbava Jasão. Seus filhos nunca poderiam ser reis,
porque a mãe deles era uma bárbara. Precisava ter outros, se possível com uma princesa
de sangue grego. Creúsa, filha do rei de Corinto, parecia feita para esse papel.

Jasão repudiou Medéia e se preparou para casar com Creúsa. Louca de ciúme e de
dor, a esposa abandonada maquinou a vingança mais terrível. Mandou à noiva um
vestido embebido de veneno. Logo que o pôs, a princesa morreu num sofrimento
abominável. O fogo que a consumiu se espalhou pelo palácio, provocando também a
morte do rei. Decidida a destruir tudo o que rodeava o esposo ingrato, Medéia assassinou
seus próprios filhos. Deixou a cidade, que estava em luto por causa de seus crimes, e
partiu para sempre da região num carro puxado por dragões alados.

Quanto a Jasão, uma triste vida o esperava como preço da sua perfídia. Um dia,
quando ele andava pela praia perto da querida nau, que lhe recordava um tempo feliz,
uma antiga profecia se realizou. Predissera-se que a nau causaria sua desgraça. Tendo
sobrevivido aos perigos da expedição, Jasão pensava estar ao abrigo dessa ameaça. Mal
teve tempo de erguer os olhos para ver o mastro caindo sobre ele. Assim terminava a
história de um maiores aventureiros.

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